No Brasil, o regime de separação obrigatória de bens é regulamentado pelo código civil, sendo aplicado em situações específicas previstas no artigo 1641. Este regime impõe a separação patrimonial, em que cada cônjuge mantém a titularidade exclusiva dos bens adquiridos antes e durante o casamento, sem comunicação automática ao patrimônio comum.
Apesar disso, a prática jurídica brasileira reconhece, em determinadas circunstâncias, a presunção do esforço comum na aquisição de bens durante o casamento. Isso gera debates quanto à sua compatibilidade com o regime de separação obrigatória.
O Regime de Separação Obrigatória no Brasil
O regime de separação obrigatória distingue-se por estabelecer uma divisão clara dos patrimônios, onde cada cônjuge administra e dispõe de seus bens de forma autônoma. A lógica por trás dessa obrigatoriedade é proteger as partes de possíveis abusos ou interesses patrimoniais, especialmente em situações de vulnerabilidade, como em casamentos tardios ou em casos de incapacidade.
No entanto, o regime não impede que os cônjuges adquiram bens em comum, desde que ambos contribuam para sua aquisição. Nessas situações, surgem questionamentos sobre a participação do outro cônjuge na formação do patrimônio. Ainda que o bem tenha sido registrado em nome de apenas um deles.
A Súmula 377 do STF
Um marco importante na discussão é a Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal (STF), que estabelece: “No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento.“
Essa súmula tem sido amplamente interpretada para admitir que bens adquiridos durante o casamento, mesmo no regime de separação obrigatória, podem ser considerados fruto do esforço comum e, portanto, passíveis de partilha.
Contudo, a aplicação dessa regra não é automática e depende da análise do caso concreto, considerando a contribuição de cada cônjuge. O cônjuge que pleiteia o reconhecimento de sua participação deve provar que contribuiu para a aquisição do bem, seja diretamente, com recursos financeiros, seja de forma indireta, por meio de atividades que tenham viabilizado economicamente a compra.
Neste sentido, vide posicionamento do STJ no tocante à atual interpretação da Súmula 377 do STF:
“EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL. CASAMENTO CONTRAÍDO SOB CAUSA SUSPENSIVA. SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS ( CC/1916, ART. 258, II; CC/2002, ART. 1.641, II). PARTILHA. BENS ADQUIRIDOS ONEROSAMENTE. NECESSIDADE DE PROVA DO ESFORÇO COMUM. PRESSUPOSTO DA PRETENSÃO. MODERNA COMPREENSÃO DA SÚMULA 377/STF. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA PROVIDOS.
1.Nos moldes do art. 1.641, II, do Código Civil de 2002, ao casamento contraído sob causa suspensiva, impõe-se o regime da separação obrigatória de bens.
2. No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento, desde que comprovado o esforço comum para sua aquisição.
3. Releitura da antiga Súmula 377/STF (No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento), editada com o intuito de interpretar o art. 259 do CC/1916, ainda na época em que cabia à Suprema Corte decidir em última instância acerca da interpretação da legislação federal, mister que hoje cabe ao Superior Tribunal de Justiça.
4. Embargos de divergência conhecidos e providos, para dar provimento ao recurso especial. (STJ – EREsp: 1623858 MG 2016/0231884-4, Relator: Ministro LÁZARO GUIMARÃES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO), Data de Julgamento: 23/05/2018, S2 – SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 30/05/2018 RSTJ vol. 251 p. 416)” (grifo nosso)
De acordo com a interpretação acima apontada, a parte interessada deverá demonstrar que colaborou com seu patrimônio para a aquisição do bem, do contrário, o entendimento do STF não será aplicado e o bem será considerado incomunicável.
Conclusão
A presunção do esforço comum no regime de separação obrigatória no Brasil reflete a complexidade das relações conjugais e a busca por justiça nas partilhas patrimoniais. Embora não seja uma regra absoluta, essa presunção serve como um instrumento para proteger direitos em casos onde há evidências claras de contribuição mútua. A jurisprudência brasileira, ao interpretar a Súmula 377 e o Código Civil, desempenha um papel fundamental na aplicação desse conceito, sempre com base no exame detalhado das circunstâncias de cada caso.